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26/06/2019 18:03:11

Concurso de crônicas: Aojustra divulga mais dois textos de Oficiais participantes
Concurso da Associação vai até 10 de agosto. Participe!

A Aojustra divulga abaixo outros dois textos concorrentes do Concurso de Crônicas sobre o trabalho na execução dos mandados. O intuito é registrar a atividade do Oficial de Justiça, através de histórias reais que podem ser engraçadas, sensíveis, inusitadas ou até sobre os riscos enfrentados no cumprimento das ordens judiciais. 

Para participar, o Oficial deve enviar a crônica para os e-mails aojustra@outlook.com e ane.galardi@gmail.com. É importante que o texto esteja devidamente identificado com o nome completo do autor, bem como a lotação e um número de telefone para contato. 

“A cada nova semana a Aojustra recebe textos de colegas Oficiais com histórias reais do dia a dia na função. Convidamos mais Oficiais a se inspirarem e nos enviarem crônicas para que consigamos implementar a ideia da elaboração de um livro”, afirma o presidente Thiago Duarte Gonçalves.

O prazo para participação no concurso da Aojustra termina em 10 de agosto. 

Na divulgação desta semana, a Aojustra apresenta os textos enviados pelo Oficial aposentado Wagner Ambrosio e pelo colega do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Marcelo de Castro Costa.

Confira outras duas crônicas que concorrem à premiação pela Aojustra:


Vida de cachorro?
Por Marcelo de Castro Costa (TJ)

Dei esse título, “VIDA DE CACHORRO”, porque após esse dia de trabalho passei a refletir sobre os encontros e desencontros da vida. Esse fato realmente aconteceu, foi em 2003, mais precisamente no dia seguinte ao jogo entres Santa Cruz x Sport, quando este último foi campeão pernambucano. 

E foi assim: segui o roteiro de visitas previamente preparado, e me dirigi para a cidade de Camaragibe, onde efetuei uma citação. De lá, fui para o bairro da Várzea, em Recife, onde deixei uma intimação para ciência de uma sentença. Como quebra de rotina, fui recebido por um cachorro da raça poodle, que estava vestido com uma “cãomisa” do Sport, comemorando entre latidos, grunhidos e balançar de cauda, o 34º campeonato levando pelo Sport Clube do Recife, para felicidade da fiel, rubro-negra, torcida.

De lá dando continuidade ao roteiro segui para o Casarão de Roda de Fogo, na Rua Panteon, nome bonito, mas uma verdadeira favela. Conglomerados de barracos, entrecortados por becos estreitos que apenas davam passagem para uma pessoa, sem contar, que o chão do beco no sentido longitudinal, corre um esgoto a céu aberto. Andar por ali, só com as pernas abertas, ou seja, com os pés nas margens direta e esquerda da vala.

Perguntando a um e a outro, cheguei na “residência” procurada. Tratava-se de um barraco com pouco mais de 2m, todo encravados de tábuas e latas, com o teto variando em cacos de telhas de amianto, compensado e plásticos pretos, desse usados pela prefeitura, para contenção de encosta.

Fui recebido por uma Senhora, mãe da citanda, que me convidou a entrar na sua “casa”, e me acomodou em uma cadeira. O espaço era tão pequeno que mal me cabia. Em poucas palavras, expliquei o motivo da mina presença, era um mandado de suspensão de poder familiar, contra sua filha, tendo como autor o Ministério Público. A interlocutora apesar de pouco estudo, compreendeu o que se tratava, verbalizando o seguinte:

- Que morava há mais de 20 anos com seu companheiro, do qual tem uma filha adolescente com 15 anos. O companheiro é alcoólico, e quando embriagado, põe a mesma de “casa pra fora”, com ameaça de agressão.  A minha ouvinte não trabalha, vive em extrema necessidade, é cardíaca, mas mesmo assim, verbalizou que ficaria com as crianças, embora figure como requerente do abrigamento dos netos.

Pude observar, logo na entrada do barraco, uma panela sobre o fogo de lenha apoiada em tijolos, onde cozinhava feijão na água e sal, seria o almoço daquele dia. A “casa”, não tinha banheiro, sendo “chão batido”. Tem duas camas precárias uma sobre tijolos e a outra pendurada, disse que é para se proteger dos ratos que transitam pelo barraco a noite.

Realmente a higiene é zero, o barraco nem banheiro tem. As necessidades fisiológicas, são feitas em latas ou garrafas pet cortada ao meio e jogada fora, após o uso. Banho só de “cuia” com uma bacia no meio do quarto/sala, como é de chão batido a água do banho se infiltra pelo chão. Narrou a senhora! Me Deus! Que vida!

O local tem uma “boca de fumo”. Paradoxalmente a entrada da favela fica em frente a um núcleo da Polícia Militar de Pernambuco. Pude visualizar crianças na faixa de 13 a 17 anos, com mochila de papel, vendendo os chamados “dólar” de maconha, e, também crianças comprando. Percebi que estava sendo observado por alguns homens, talvez dando proteção ao “aviõezinhos”. Olhavam-me desconfiados. Corremos muitos riscos no cumprimento da nossa função.

Observou a interlocutora, que às 17:00 h, o local fica muito esquisito, onde todos fecham suas portas e não saem de casa. É comum escutar tiros, mas ninguém se assusta, já estão acostumados.

Sua filha, de outro relacionamento, mãe das crianças abrigadas, quem na verdade eu procurava, chegou de repente, estava sem ver a mãe há 4 meses, lhe pus a par da minha visita, verbalizou estar desempregada, tem um companheiro também desempregado. 

Disse que não tem ido visitar os filhos, que se encontram abrigados na FUNDAC, por não ter dinheiro para a passagem de ônibus, e nem tem como sustentá-los, é melhor ficarem onde estão!

A filha adolescente que não quer saber dos estudos, indagada sobre ir a aula, disse, nem lembrar o que é isso! Segundo a mãe ela prefere “bater” pernas pela favela, a estudar ou fazer alguma coisa produtiva.

Perguntei se tinham alguma religião ou se frequentavam alguma denominação religiosa, disseram que não. Que só acreditavam em Deus, mudando logo de assunto. Agradeci a cooperação na diligência e me pus a caminho, muito triste pelos fatos que testemunhei e sem nada fazer.

Esse foi o quadro que encontrei naquele meu dia de trabalho, não é muito diferente dos demais, mas confesso que fiquei realmente penalizado, sentindo-me impotente por não poder fazer nada por aquelas pessoas que têm a auto estima tão arrasada e se encontram no fundo do poço, sem ninguém que olhe ou interceda por elas. A quem atribuir culpa! É duro saber que milhões de brasileiros vivem assim. Para que tantas ONGS! E o Projeto Fome Zero, o que é feito dele? E a Constituição que garante aos brasileiro vida digna e moradia? O que cada um de nós enquanto cidadãos, podemos fazer para contribuir com a transformação desse quadro de carência e miséria que assolam os menos favorecidos? 

Nesse mesmo dia, fui na repartição e narrei tudo para as minhas colegas que ouviram silenciosamente algumas até choraram. 

No dia seguinte ao chegar na repartição encontrei sacos e mais sacos de roupas de todo tipo, cama, mesa, vestir etc..... Além de caixas de alimentos, foi um trabalho, mas retornei na casa daquela senhorinha, que chorava ao receber cada donativo que lhe ofertamos. Imaginem a minha e felicidade e a dela.

Votando ao cachorrinho “poodle”, aquilo que é vida! Casa, carinho, comida, roupa lavada, torcedor do Sport Clube do Recife, enfim, com seus diretos “cãonstitucionais” assegurados!!! E nós, somos ou não afortunados?

Ah! E tem gente que pensa que leva vida de cachorro. Duvido muito! Será?

Acredito que em muitos lares, faltam o cultivo de valores religiosos e fé em Deus!

Reflitam!


Debaixo de Vara
Por Wagner Ambrosio (aposentado)

Nas Ordenações Filipinas, os oficiais de justiça podiam conduzir testemunhas e réus recalcitrantes “debaixo de vara”, isto é, à força. No antigo direito português, a vara era a insígnia dos juízes ordinários e dos juízes de fora. Era o símbolo de sua autoridade:

O  art. 95 do Código de Processo Criminal do Império, de 1832, dizia: Art. 95. As testemunhas, que não comparecerem sem motivo justificado, tendo sido citadas, serão conduzidas debaixo de vara, e sofrerão a pena de desobediência

Nos dias atuais as testemunhas que não comparecem às audiências sem motivo justificado são conduzidas para a próxima audiência por Oficiais de Justiça, que através de prévio agendamento, as buscam em suas residências e as conduzem até a sede do Juízo, geralmente nos seus próprios veículos.

Sabendo desta mordomia, alguns advogados que têm interesse em que a primeira audiência seja adiada, orientam suas testemunhas a não comparecerem e ainda esclarecem para ficarem tranquilos porque em breve (geralmente depois de uns seis meses) um Oficial irá buscá-las e as levará para serem ouvidas.

Me cansei das vezes em que testemunhas se acomodaram confortavelmente no meu carro, pediram para desligar o ar condicionado, reclamaram do trajeto escolhido e, até mesmo, pediram para trocar de estação de rádio.

Me lembro de uma testemunha em especial, um alto executivo de uma empresa multinacional que foi por mim conduzida para prestar depoimentos numa Vara do Trabalho no Fórum Rui Barbosa. 

Logo de início fui indagado do motivo pelo qual eu não estava usando terno (deve assistir muita novela da Globo), depois foi o tempo todo, confortavelmente sentado no banco de trás e lendo as principais noticias dos jornais, reclamando de tudo, e pediu para que eu baixasse o som do rádio – e olha que só ouço música boa – Eita cara chato!.

Nesta hora tive muita inveja dos colegas da época do império. Ah se eu tivesse uma Vara...


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Da assessoria de imprensa, Caroline P. Colombo